04 julho, 2025

A cada dia, um bocadinho mais


Dizem que é preciso coragem para contar a própria história.
Eu digo que é preciso amor — amor por quem somos, mesmo quando o mundo insiste em dizer que não há lugar para nós.

A minha vida foi sofrimento desde cedo. A infância deixou cicatrizes profundas, muitas delas ainda mal curadas. Pessoas com quem cresci, praticamente de berço, afastaram-se de mim como se tivesse uma doença contagiosa. Tinham vergonha de serem vistas comigo — preferiam fingir que eu não existia.


Na escola, o desprezo vinha de todo o lado. Até a direção me tratava de forma diferente, como se eu é que fosse o erro, enquanto quase aplaudiam os outros.
Um dia, um colega disse-me:
"Tu és um erro da natureza."
Ele tinha 11 ou 12 anos. Se já era assim em criança, como será hoje?
É uma ferida que, mesmo passadas mais de duas décadas, ainda dói. Ainda sangra.
E sei que é uma bagagem que vou carregar toda a vida. Há alturas em que volta a assombrar, sem aviso.

Durante muito tempo, curvei-me. Fui-me apagando. Queria ser aceite num mundo que não me queria.
Ainda não entendi porque me humilhei tanto. Mas sempre fiz questão de estar presente, mesmo sendo escorraçada, invisível para muitos.
Perdoei — porque perdoar é um ato de amor ao próximo, é libertador.
Mas nunca se esquece.
E isso não é ser rancorosa.

Aos 15 anos, comecei a mudar por fora. Cuidei da aparência, tornei-me vaidosa, dançante, vibrante. Talvez por isso, algumas pessoas começaram a aceitar-me.
Foi assim durante anos, até conhecer o pai do meu filho.

No início parecia amor. Mas rapidamente surgiram as agressões — físicas, verbais, psicológicas.
Durante sete meses, vivemos juntos. Quando saí, saí com a roupa do corpo, literalmente: uns calções e uma t-shirt.
Os meus pertences desapareceram: maquilhagem, perfumes que adorava, a camisola dos 125 anos do Futebol Clube do Porto que o meu pai me tinha oferecido, livros, óculos, roupa e acessórios, computadores, todos os meus pertences, e até os meus animais.

Com o coração partido e o corpo exausto, descobri que estava grávida.
A notícia chegou no hospital, e a partir daí, tudo passou a girar em torno do meu filho.
Ele é a razão pela qual ainda aqui estou. Se não fosse por ele… talvez já não estivesse.

Até hoje, tenho pouca roupa comprada por mim. O que chega, chega quase sempre para ele.
Porque o essencial está sempre reservado para ele.

Fisicamente, paguei um preço alto: perdi seis dentes.
Com ajuda do Instituto de Medicina Legal, consegui extrair os restos. Mas ainda sonho com o dia em que terei dentes fixos, definitivos. Um sonho simples, mas para mim, é símbolo da autoestima que perdi.

Recentemente, o pai passou a fazer parte da vida do meu filho.
Não sou a favor de pais que falam mal um do outro em frente dos filhos — e não o vou fazer.
Mas posso garantir que, apesar de evitar os assuntos que ainda me doem, ele vai saber de tudo — ou parte — quando tiver idade e entendimento.

Sim, o corpo guarda as dores. Mas o maior trauma está no coração: o de me sentirem como um fardo, um erro, uma invisível.

Mas hoje partilho isto sem vergonha, nem mágoa.
Com o coração aberto.
Porque sei que alguém, algures, pode precisar de ler estas palavras para se sentir menos sozinho.

E partilho não por piedade.
Nem por drama.
Mas porque, a cada dia, estou a superar.

Como diz a canção:
"Pasito a pasito, suave, suavecito."

E como diz o outro:
"O sonho comanda a vida."

E eu… ainda sonho.

O futebol está de luto com a trágica partida de Diogo Jota, ex-jogador do FCP, e do seu irmão André Silva. Partiram cedo demais, deixando um vazio imenso em todos os que os admiravam. À família, envio as mais sinceras condolências e um abraço cheio de força. Que descansem em paz. 💙


Com carinho,
Daniela Silva 🌻

3 comentários:

  1. Hai una grande forza,complimenti cara amica.Hai scritto una storia molto toccante,Olga

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  2. Uma história triste que,com tua força, cada vez mais deixas pra trás e segues a vida leve com teu filho! beijos, chica

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  3. Face ao que nos conta, só temos que admirar a sua resiliência.

    Afirmo-lhe que esse seu colega sofrerá as consequências da sua insensibilidade e falta de respeito pelo Outro, pois a Lei de Retorno existe e funciona : tenho sobejas provas disso tanto na minha vida como na de muitas outras pessoas.

    Quanto às feridas ainda não cicatrizadas, se lhe for possível faça psicoterapia com um /a profissional competente. As que a a rejeição da minha progenitora desde a hora que nasci até à hora em que ela morreu foram resolvidas assim.

    Que a sua vida e a do seu menino decorram com suavidade, sempre!

    Caloroso abraço.

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